Experiência em recuperação e conservação do solo no Maranhão já é alvo de pesquisa com cooperação in
- EMA - EMA
- 3 de mai. de 2017
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O Sabiá, além de melhorar o solo e potencializar a produção, ainda pode servir como excelente pasto apícola
O dia 3 de Maio é considerado o Dia Mundial do Solo. É uma data importante para refletir sobre as conseqüências devastadoras do manejo insustentável do solo, mas também conhecer uma experiência exitosa que vem recuperando áreas degradadas no Maranhão.
O conhecimento antigo e não-científico de povos tradicionais, como indígenas e ribeirinhos já concebia a centralidade do solo como base da vida, o que encaminhou as pesquisas para o reconhecimento de que a qualidade do solo pode ser comprometida em diversos níveis, uma vez que “suportar a vida” implica ser suporte físico e sustento químico (nutrientes) para a vida visível encima dele (a vegetação) e menos visível, no interior do solo (as raízes juntamente com os mais diversos animais, como minhocas, artrópodos, aranhas), bem como ambiente apropriado para reprodução de vidas invisíveis à olho nu (bactérias e fungos). A garantia de existência de toda essa “comunidade” é o que sustenta os ecossistemas de florestas, pastos, lavouras etc.
No Maranhão, a história nos mostra um modelo de plantio praticado pelos posseiros, antes da reforma agrária, no qual se adotava um manejo orientado para o corte e queima. Em vigor até hoje em algumas áreas não só no Maranhão como em outras regiões tropicais do mundo, esse modelo traz enormes prejuízos, como nos explica o doutor e pesquisador Christoph Gehring, do Programa de Pós-Graduação em Agroecologia da Universidade Federal do Maranhão: “esta forma de vida entrou em uma crise sócio-ambiental, com uma severa degradação do solo acompanhada por uma produtividade agrícola muito baixa e que trouxe, como últimas consequências, baixa rentabilidade, pobreza e às vezes até insegurança alimentar”.
A boa notícia é o surgimento de uma experiência que tem sido bem sucedida no estado do Maranhão que conta com o uso de uma planta nativa do Brasil para auxiliar na recuperação dos solos: o Sabiá.
Também conhecido como Sansão-do-Campo, Jamari ou Cebiá, a Mimosa caesalpiniaefoliaBenth é uma planta que possui ocorrência em todo o nordeste e vem sendo utilizadas em Sistemas Agroflorestais implantados pela Associação Educação e Meio Ambiente (EMA), uma organização não-governamental que vêm executando contratos de Assistência Técnica e Extensão Rural por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
A agrônoma e coordenadora da EMA, Maria Elisabeth Detert, explica como foi a organização teve essa ideia: “Há muito tempo eu ouvia os agricultores dizerem que iam para “junquira” quando não tinha mais terra boa para plantar. O que eles chamavam de “junquira” eram áreas difíceis de roçar, com muita presença do Sabiá, uma planta espinhenta, mas onde sabiam que iriam encontrar condições de solo adequadas para suas culturas. Foi assim que nós da EMA tivemos a ideia de utilizar o Sabiá em sistemas agroflorestais, ou seja, associando outras culturas à uma espécie arbórea nativa com a intenção de melhorar o solo”.
Maria explica que quando a EMA e seus técnicos começaram a plantar o Sabiá em fileiras os produtores ficaram surpresos: “eles não entenderam o propósito de ocupar espaço de cultivo e desprender esforço para plantar uma espécie que ocorria naturalmente em seus territórios. Sabiam empiricamente que onde ela estava, a possibilidade de encontrar um solo conservado era grande, mas não entendiam o que queríamos produzindo mudas de Sabiá e plantando em fileiras”.
Outro aspecto positivo do Sabiá: a planta, após cerca de 6 anos, fornece uma estaca que possui interesse comercial. Sua madeira é dura e compacta, possuindo superfície brilhante e lisa e tem grande durabilidade mesmo quando exposta à umidade e enterrada, sendo ideal para construção de cercas. Todas essas características tornam o Sabiá uma alternativa viável para abastecer de forma mais segura, eficaz e ecologicamente sustentávelum mercado que até aqui tido conseqüências graves no Maranhão, como conflitos territoriais envolvendo mortes e muito desmatamento.
Além disso, as folhas do Sabiá servem de alimentos para pequenos animais, como caprinos, e suas flores ricas em pólen o torna um excelente pasto apícola, otimizando a produção de mel.
Trabalhando deste 2007 com e atuando em 17 assentamentos localizados em 10 municípios (Pirapemas, Monção, Cajarí, Central do Maranhão, Mirinzal, Santa Luzia do Maranhão, Presidente Médici, Maranhãozinho, Brejo, São Raimundo das Mangabeiras), a EMA coleciona depoimentos que expressam a satisfação: “o plantio de arroz nas entre filas de Sabiá duplicou a produção” afirma o agricultor José Walter Lourenço da Silva do assentamento São José da Vitória, em Pirapemas.
A demanda de mudas para plantio de extensas áreas de Sabiá é suprida por meio do trabalho de uma cooperativa, a Terra e Vida, situada em Pirapemas, que possui capacidade para produção de até 400 mil mudas anualmente, e os resultados não poderiam ser melhores. A hipótese da EMA de que o Sabiá poderia otimizar as produções próximas se mostrou verdadeira, o que não se sabe ainda é como se dá esse processo.
A curiosidade deu início à parceria com o Programa de Pós-Graduação em Agroecologia da Universidade Federal do Estado do Maranhão, que desde o segundo semestre de 2016 contacom uma equipe interdisciplinar liderada por Christopher Gehring, citado no início dessa matéria.
O pesquisador nos explica: “aos poucos está se relevando como o sabiá consegue fazer esses milagres de prosperar em solos degradados e ainda melhorar a qualidade desses solos. O segredo está nas alianças (‘simbioses’) que essa árvore traça tanto com bactérias e fungos. As raízes finas do sabiá formam ‘nódulos’ que abrigam os ‘rizóbios’, um grupo de bactérias que conseguem fornecer o nitrogênio (o mais importante dos nutrientes) para a planta por meio de um processo chamado ‘Fixação Biológica de Nitrogênio’, em troca por energia solar que o sabia gera via fotossíntese. Outro aliado são os ‘Fungos micorrízicosarbusculares’,que também recebem energia gerada pela fotossíntese do sabiá, pesquisados pela Dra. Camilla Nobre, também da UEMA. Essas múltiplas interações são largamente desconhecidas, estamos no início do nosso entendimento sobre esta espécie exemplar”, diz o pesquisador empolgado.
O Sabiá conquistou interesse científico do exterior. Hoje, em cooperação científica com um grupo de pesquisa na Universidade de Nottingham, na Inglaterra, no âmbito de uma rede de pesquisa binacional do Fundo de Newton com financiamento do Fundo de Amparo de Pesquisa do Estado do Maranhão (FAPEMA), as amostras de solos coletadas pela equipe de técnicos envolvendo alguns assentados sob a coordenação da EMA são enviadas para serem apreciadas nos laboratórios da universidade inglesa.
O intuito da EMA, com essa pesquisa, é avançar no tratamento de um tema muito caro à manutenção do Brasil enquanto potência mundial na produção de alimentos, consciente da necessidade de não se esgotar um dos principais meios para viabilizar a atividade agrícola, uma vez que, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), 33% dos solos do mundo estão degradados.
Maria Detert Elisabeth acredita na soma de experiências para superar esse problema: “acreditamos que o aumento da produtividade embasado no conhecimento empírico do agricultor maranhense junto com o conhecimento da academia pode ampliar a sustentabilidade da agricultura familiar no nosso Estado. O Governo Federal através do INCRA Maranhão busca cada vez mais a emancipação dos assentamentos. Nós acreditamos juntos que a reforma agrária precisa de agricultores capazes de produzir o alimento para uma população cada vez mais urbana, gerando renda e riquezas no campo com alimento de qualidade na mesa de todos. No dia nacional da conservação do solo é bom lembrar que o solo fértil garante tudo isso”.
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